terça-feira, 21 de dezembro de 2010

domingo, 19 de dezembro de 2010

Neste Natal...



Neste Natal…
O Sol no centro da galáxia vai brilhar
A Luz, o calor vai-nos fazer chegar
O Som dos sinos vai anunciar… que é Natal

Uma reacção de Amor vai acontecer
Exo ou endotérmica estará a brotar
Com uma vareta vamos tudo mexer
E grande energia vai-se libertar

Um circuito de luzes está a decorar
Uma escola reflectida num filtro de mil cores
Onde os alunos vão felizes, estudar e partilhar
Nos laboratórios como se fossem doutores

Numa bureta está a poção especial?
Ou será que está dentro de um balão?
Gota a gota flui a amizade do Natal
E a construção de um grande coração

Do micro ao macro, somos todos importantes
Nesta longa calha o atrito é fundamental
Faz-se muito perto os que estão distantes
Para que sempre seja Natal!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Os Lusíadas (versão moderna e livre)

As sarnas de barões todos inchados
Eleitos pela plebe lusitana
Que agora se encontram instalados
Fazendo aquilo que lhes dá na gana
Nos seus poleiros bem engalanados,
Mais do que permite a decência humana,
Olvidam-se de quanto proclamaram
Em campanhas com que nos enganaram!

II

E também as jogadas habilidosas
Daqueles tais que foram dilatando
Contas bancárias ignominiosas,
Do Minho ao Algarve tudo devastando,
Guardam para si as coisas valiosas...
Desprezam quem de fome vai chorando!
Gritando levarei, se tiver arte,
Esta falta de vergonha a toda a parte!

III

Falem da crise grega todo o ano!
E das aflições que à Europa deram;
Calem-se aqueles que por engano...
Votaram no refugo que elegeram!
Que a mim mete-me nojo o peito ufano
De crápulas que só enriqueceram
Com a prática de trafulhice tanta
Que andarem à solta só me espanta.

IV

E vós, ninfas do Coura onde eu nado
Por quem sempre senti carinho ardente
Não me deixeis agora abandonado
E concedei engenho à minha mente,
De modo a que possa, convosco ao lado,
Desmascarar de forma eloquente
Aqueles que já têm no seu gene
A besta horrível do poder perene!

(Receida por mail_Autor desconhecido)

sábado, 11 de dezembro de 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Fernado Pessoa morreu há 75 anos


Fernando António Nogueira Pessoa
Lisboa, 13 de Junho de 1888 - 30 de Novembro de 1935.
Morreu com apenas 47 anos, vítima de cirrose hepática fulminante por abuso de absinto e outras bebidas super-alcoólicas.
Havia nele muitas pessoas, todas elas de muito talento. Recordemos aqui uma delas:

Encostei-me

Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.

Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.

Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y's de sentimento.

Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó Álvaro.

Álvaro de Campos

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pedra Filosofal - In Movimento Perpétuo


Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

In Movimento Perpétuo – António Gedeão

Pedra Filosofal

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Desânimo...

Que mimos me confortam?
Que doce luz me acena?
Eu tenho muita pena
De ter nascido até!

Quizera antes ao pé
D’uma arvore frondosa
Ter já em cima a lousa
E descançar emfim!

Alli, nem tu de mim
De certo te lembravas,
Nem estas feras bravas
Me iriam assaltar!

Alli, teria um ar
Mais puro e respiravel,
E a paz imperturbavel
De quem, emfim, morreu!

D’alli, veria o céo
Ora sereno e puro,
Ora toldado e escuro…
Ainda assim melhor,

Que este areal de amor
Onde ando ao desamparo,
Onde a ninguem sou caro
E nem, a mim, ninguem!

Alli passára eu bem
A noite derradeira
Á sombra hospitaleira
Que mais ninguem me dá!

Tu mesma, que não ha
Quem eu mais queira e ame,
Quem a minha alma inflamme
De mais ardente amor,

Os ais da minha dôr
A ti o que te importam?
Teus olhos nem supportam
A minha vista ao pé!

Que mimos me confortam?
Que dôce luz me acena?
Eu tenho muita pena
De ter nascido até!

João de Deus

sábado, 30 de outubro de 2010

MOMENTO NUM CAFÉ

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta

Manuel Bandeira

sábado, 16 de outubro de 2010

SOCRATÍADAS

SOCRATÍADAS

Aos grandes e aos varões sacrificados
Que nesta ocidental praia lusitana
Em tempos quase sempre conturbados
Ajudaram a que passasse a caravana
Contra traidores, gatunos e drogados,
Livrem-nos, por favor, deste sacana.
É o que ardentemente hoje vos peço
E, se o conseguirem, muito agradeço

Nos tempos em que Guterres governava
Vivia-se até melhor que hoje em dia.
E o Sócrates Pinto de Sousa militava
lá nas fileiras da Social-Democracia.
Desse Zé Ninguém não se espr’ava
O vil trafulha em que ele se transformaria.
E venho eu, Camões, da língua o Pai
Explicar-vos com “isto” por cá vai…

Estavas , jovem Zé, muito contente,
Com o teu Diploma já adquirido
Nessa tal Universidade Independente,
Com fraudes e artimanhas conseguido,
Assinando projectitos de outra gente
Pois que, para nada mais foste intruído.
Mas sendo um refinado vigarista,
Logo te inscreves no Partido Socialista.

Com muita lábia, peneiras, arrogância,
Depressa ousou chegar a Deputado,
E mesmo apesar de tanta ignorância
P’ra Secretário de Estado foi chamado.
E nas burlas, trafulhices e jactância,
Em que esteve nesses tempos embrulhado,
Terá sido nesse ambiente assaz sinistro
Que obteve competências p’ra Ministro.

E TU, sábio Cavaco, agora me ensina
Como posso tirar este gajo do poleiro
Pois não passa de uma ave de rapina
Mas já é segunda vez nosso Primeiro.
Mandai-o p’ra bem longe, África ou China
Já que o não podes mandar p’ró Limoeiro.
É que eu estive lá, e aquilo que acho
É que ele só sairá com um Grande Tacho!

Que seja pelos pecados deste Povo,
Teimoso no seu votar sempre às cegas,
P’ra depois implorar p’ra ter de novo
Alguém que seja outro João das Regras
Que o leve sem receios a votar
Num émulo do Oliveira Salazar!

Luis Vesgo de Camões

domingo, 3 de outubro de 2010

Falta cumprir-se Portugal!




Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa, in Mensagem

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Férias...


Depois de um ano muito cansativo, vou para umas merecidas férias...


Até Setembro,


Safira

sábado, 17 de julho de 2010

Morre lentamente...




"Morre lentamente quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem destrói o seu amor-próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma escravo do hábito,
Repetindo todos os dias o mesmo trajecto,
Quem não muda as marcas no supermercado,
não arrisca vestir uma cor nova,
não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
Quem prefere O "preto no branco"
E os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
Justamente as que resgatam brilho nos olhos,
Sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
Quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
Quem não se permite,
Uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da
Chuva incessante,
Desistindo de um projecto antes de iniciá-lo,
não perguntando sobre um assunto que desconhece
E não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
Recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o
Simples acto de respirar.
Estejamos vivos, então!»

Pablo Neruda

segunda-feira, 12 de julho de 2010

José Régio - Soneto quase inédito



Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.


Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.


E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,


Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos - só! - por seu ofício
Receber, a bem dele... e da nação.


JOSÉ RÉGIO

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Nono Cálice




Digo-te pois em segredo
Na frente de toda a gente,
Porém, sem o mínimo medo
De ao proferi-lo, de repente
Na inveja de quem por vê-lo assim
Ao nome desmascarado, o obrigue rogado
Exigido, coitado, outrossim,
Assustado no pormenor enredo
E queira parecer ser coisa diferente:
Porém, certo é dizer-to em segredo
Teu nome, só para mim,
Sabendo-o conhecido de toda a gente!


Sei-o de trás para diante
Anterior ou partindo do meio,
Repetido como refrão constante
Atreito ao brilho do diamante
Como às espigas do trigo e do centeio.


Dou-lhe aval garantido
Pelos registos da memória
Como assinatura de lido
Seja só ficção ou história.


E acerto a terceira sílaba
Do meu relógio e tempo
Na cripta de uma cabala
Onde a mim próprio me invento.

E três vezes três vezes te digo
Pelas frestas do sonho em flor,
Não serve de nada o conto antigo
Se a Aliança renegar o amor!
Joaquim Castanho

quinta-feira, 1 de julho de 2010

BRINDEMOS MEU AMIGO



Décimo Oitavo Cálice

Quando até a literatura é estrangeira

Na regra dos noves fora mais antiga

É condição redobrada ser a primeira

A contar de quanto trauteio a cantiga

De ficar absorto a soletrá-la pertinaz

Já que o corpo por repouso tudo aceita

Incluindo ler, que só à mente deleita,

Seja a tarde longa e calma ou fugaz

Que sempre voará se no fazer apraz.



Medido o tempo por esta clepsidra

Onde cada segundo é uma frase lida

A pingar da pipeta do entendimento

Tece enredos quem só decepa a Hidra

Lhe sega as cabeças do medo à vida

Tira à serpente gigante o tormento

E lhe dá em troca o jeito sagaz melado

De um S com asas dito voo soletrado

E no sibilo de uma língua enrolado.



A primeira letra de um nome, portanto

Só anda repetido adiante, se avança

Revestido na aliança serena do canto

Em que o compasso é passo e balança

Braço dado fazendo do par a esperança

Deste Alentejo como um lamento cantado

Na sesta amena ao ritmo arado do beijo

Que é outro tanto do canto do S no desejo.



Boca a desenrolar-se é só mandorla da fé

Num zero que a cabala indica, mas que é

O seixo do ábaco se a unidade multiplica

Por dez, por cem, por mil e até o infinito

Estica, dando ao ver o que só se acredita

Existir, sendo esse anel o aro de espírito

Suficiente à matéria como forma de lente

Prà visão num oito alcançar o ponto fito

Que nunca é visto só pelo olhar da gente.



Quem já viu longe e para lá do horizonte

Que a eternidade tem por coisa tão certa

Como uma árvore, colina, rio, ou monte

Habitado por família unida, sã e desperta?

Então, esse sabe até reconhecer a aresta

Que há no distante Sol cuja seta acerta

Raio de alerta e sobre a alma o rio apresta

Ao tempo contínuo, sem fim, sólida ponte!


2010-07-01

Joaquim Castanho

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Dia de Portugal


Ao Desconcerto do Mundo
Luís de Camões

domingo, 23 de maio de 2010

Meu país desgraçado!...



Meu país desgraçado!…
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas …


Meu país desgraçado!…
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anêmico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!

Poeta Sebastião da Gama

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Quase


"Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ...

Assombro ou paz ? Em vão ... Tudo esvaído
Num grande mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor ! - quasi vivido ...

Quasi o amor, quase o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim - quasi a expansão ...
Mas na minh´alma tudo se derrama ...
Entanto nada foi só ilusão !

De tudo houve um começo ... e tudo errou ...
- Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim ...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou ...

Momentos de alma que desbaratei ...
Templos aonde nunca pus um altar ...
Rios que perdi sem os levar ao mar ...
Ânsias que foram mas que não fixei ...

Se me vagueio, encontro só indícios ...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos d' heroi, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios ...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí ...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi ...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe d´asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ..."

Paris, 13 de Maio de 1913

Mário de Sá-Carneiro, que faria 120 anos.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Fernando Pessoa


"O amor é a única coisa que cresce à medida que se reparte"

Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que partilhámos.


Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.

Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.
Hoje já não tenho tanta certeza disso.


Em breve cada um vai para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.
Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... nas cartas
que trocaremos.


Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.
Vamo-nos perder no tempo...


Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e
perguntarão:
"Quem são aquelas pessoas?"


Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!
-"Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!"


A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...


Quando o nosso grupo estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.


E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a
sua vida isolada do passado.


E perder-nos-emos no tempo...
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não
deixes que a vida
passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de
grandes tempestades...


Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem
morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem
todos os meus amigos!"

domingo, 2 de maio de 2010

Hoje é dia da Mãe...


Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 24 de abril de 2010

Festejar o dia da Liberdade!


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 1 de abril de 2010

quarta-feira, 31 de março de 2010

Onde mora a memória obscura...


Onde mora a memória obscura, onde
esse cavalo persiste como um relâmpago de pedra,
onde o corpo se nega, onde a noite ensurdece,
caminho sobre pedras na minha casa pobre.

Não conheço esse lago, não fui a esse país.
Mas aqui é um termo ou um princípio novo.
Com a baba do cavalo, com os seus nervos mais finos
reconstruí o corpo, silenciei os membros.

Não se estancou a sede, no mesmo caos de agora,
mas a língua rebenta, as vértebras estalam
por uma nova língua, por um cavalo que una

a terra à tua boca, e a tua boca à água.

António Ramos Rosa

domingo, 28 de março de 2010

Fragmento



Se o vento ao mar azul o calmo espelho afaga,
sem ondas levantar, a terra já não amo:
sorrisos de um sereno e de um tranquilo fundo
me tentam alma inquieta. Mas se o estrondo ecoa
do Oceano abismos turvos, e se a crespa espuma
coroa as altas vagas que rebentam fortes,
para a terra me volto e seus profundos bosques
onde os pinheiros cantam no soprar do vento.
Aquel' que o lenho habita e sobre o mar trabalha
dos fugitivos peixes só vivendo, tem
sorte mais triste. Eu lânguido me alongo aonde
o murmurar do rio ao espírito me anima,
sem que da paz o acordo ou súbito o perturbe.

Mosco de Siracusa
(Trad.: Jorge de Sena)

domingo, 21 de março de 2010

quinta-feira, 18 de março de 2010

Poema de Bocage

Autobiografia

De cerúleo gabão não bem coberto,
passeia em Santarém chuchado moço,
mantido, às vezes, de sucinto almoço,
de ceia casual, jantar incerto;

dos esbrugados peitos quase aberto,
versos impinge por miúde e grosso;
e do que em frase vil chamam caroço,
se o que, é vox clamantis in deserto;

pede às moças ternura, e dão-lhe motes;
que, tendo um coração como estalage,
vão nele acomodando a mil peixotes.

Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
cercado de um tropel de franchinotes?
– É o autor do soneto: – é o Bocage.


Bocage, in 'Rimas’

quinta-feira, 4 de março de 2010

"Quem muito viu..."



Quem muito viu, sofreu, passou trabalhos,

mágoas, humilhações, tristes surpresas;
e foi traído, e foi roubado, e foi
privado em extremo da justiça justa;

e andou terras e gentes, conheceu
os mundos e submundos; e viveu
dentro de si o amor de ter criado;
quem tudo leu e amou, quem tudo foi —

não sabe nada, nem triunfar lhe cabe
em sorte como a todos os que vivem.
Apenas não viver lhe dava tudo.
Inquieto e franco, altivo e carinhoso,
será sempre sem pátria. E a própria morte,
quando o buscar, há-de encontrá-lo morto.

Jorge de Sena

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

sábado, 20 de fevereiro de 2010

A Magnólia



A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem a forma
o meu resplendor.

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,

um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.

Luiza Neto Jorge

domingo, 14 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

No Fundo Florestal do Dia



O acto simples da aranha que tece uma estrela na penunbra,
o peso elástico do gato em direcção à borboleta,
a mão que resvala no lombo morno do cavalo,
o olor sideral da flor do café,
o sabor azul da baunilha,
detêm-me no fundo do dia.

Há um resplendor côncavo de fetos,
uma ressonância de insectos,
uma presença cambiante de água nos recantos pétreos.

Reconheço aqui minha idade feita de sons silvestres,
de lume de orquídea,
de cálido espaço florestal, onde o pica-pau faz soar o tempo.
Aqui o entardecer inventa uma rubra pedraria,
uma constelação de pirilampos,
uma queda de folhas lúcidas nos sentidos,
rumo ao fundo do dia,
onde se encantam meus ossos agrestes.

Vicente Gerbasi
(Trad.: José Bento)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Bichos Marginais


Hálito de terra depois da chuva:
cálida ternura
aflorando
do lábio

Teu corpo
leveza que pesa
um saber sábio
secreto
da Natureza

Por isso os bichos te amam
em suas falas naturais:
os felinos
os caprinos
e os poetas - bichos marginais

Luís Veiga Leitão