domingo, 15 de janeiro de 2012

A NOVA GRAFIA

Quando eu escrevo a palavra acção, por magia ou
pirraça, o computador retira automaticamente o C na pretensão de me ensinar a nova grafia.

De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa.

Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim.

São muitos anos de convívio.

Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes CCC's e PPP's me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância.

Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: - não te esqueças de mim!

Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí.

E agora as palavras já nem parecem as mesmas.

O que é ser proativo?

Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos.

Depois há os intrusos, sobretudo o R, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato.

Caíram hifenes e entraram RRR's que andavam errantes.

É uma união de facto, e para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem.

Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os EEE's passaram a ser gémeos, nenhum usa ( ^^^) chapéu.

E os meses perderam importância e dignidade; não havia motivo para terem privilégios. Assim, temos janeiro, fevereiro, março, são tão importantes como peixe, flor, avião.

Não sei se estou a ser suscetível, mas sem P, algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham.

As palavras transformam-nos.

Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos.

Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do C não me faça perder a direção, nem me fracione, e nem quero tropeçar em algum objeto.

Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um C a atrapalhar.

Só não percebo porque é que temos que ser NÓS a alterar a escrita, se a LÍNGUA É NOSSA ...? ! ? ! ?


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Os ingleses não o fizeram, os franceses desde 1700 que não mexem na sua língua e porquê nós ?

Será que não pudemos, com a ajuda da troika, recuperar do deficit na nossa língua ?

2 comentários:

Laércio Lins disse...

Belo texto, bela reflexão. Há referendo pra tudo, exceto quando o assunto é cultura, educação ou tradição. Nessas horas a vida é tratada como se fosse um carimbo que é batido e fica tudo pronto. Um simples C, P ou R pode fazer toda diferença em um momento ou em um sentimento. Parabéns pela excelente postagem. Um abraço, Laércio Lins

Ruy Pedras disse...

Será que seria realmente melhor nunca termos rectificado a orthographia e, como resultado d'isso, estar ainda hoje a graphar as palavras de accordo com sua etymologia, como fazia-se hatté antes de 1911 em Portugal, ou hatté antes de 1943 no Brasil? Pois a primeira grande reforma orthographica da lingoa portugueza - a de 1911 - foe (im)pósta em practica por Portugal, emquanto que o Brasil resistiu em adoptar a norma pseudo-phonetica portugueza hatté meados do anno de 1943, quando, finalmente, depois de muito pressionado pelos reformadores lusos, deixou cahir todos os penduricalhos oriundos da etymologia e chegou hatté a exaggerar n'esse processo de 'póda' de lettras innuteis. Depois de apprender a "reformar" com os irmãos lusos, o Brasil não mais deixou de lado a mania de mexer na orthographia de tempos em tempos. Exaggerou ainda mais ao adoptar um systema de abundantes accentos graphicos - quasi inexistentes na era etymologica - para differenciar palavras homophonas e homographas, indicar timbres abertos ou fechados de vogaes tonicas, para marcar syllabas secundarias e fortes em adverbios e diminutivos, além de utilizar o trema para marcar a pronuncia de vogaes em syllabas separadas (saüdade, vaïdade, coërente - quando assim eram pronunciadas em algumas regiões ou em funcção da metrica poetica) ou do U nos grupos "güe" "güi" "qüe" "qüi". Muitos d'esse accentos inexistiam em Portugal de tão superfluos que eram.
Com o tempo, occorreram algumas poucas modificações em ambos os lados sempre buscando uma maior approximação, mas acabaram por ter effeito contraproduccente, só mais distanciando as duas normas graphicas.
Hoje accontece o contrario: Brasil impõe sua orthographia pellada, projectada no final do seculo XIX por academicos lusos, já trabalhada exhaustivamente pelos brasileiros, consoante com as characteristicas phonetco-phonologicas do portuguez tupyniquim e ignora que esta fórma de escripta não é compativel com a natureza consonnantica do portuguez lusitano. Pois sim, este realmente está a ser um caso por demais complicado, mas houve algo como uma inversão historica de papéis. Ironia do destino? Talvez. Interesses politico-economicos do mercado editorial brasileiro? Pode muito bem ser. A volta da Orthographia Etymologica resolveria o problema já que não se preoccupa em pintar os sons da falla? Não sei... não sei.

Hatté hoje já tivemos 5 accordos orthographicos dentro d'um periodo de cem annos, e nenhum d'elles resolveu nossos problemas. O portuguez já teve uma orthographia unica para toda a lusophonia, mas isso acabou-se em 1911, quando Portugal foe catalysador d'uma reacção que hatté hoje está a se desenrolar sem dar siganes de que um dia estanque.
Uma vegonha para nossa lingoa não ter um systema fixo de escripta, uma orthographia fixa como a do inglez ou do francez, practicamente immutaveis! Parece impossivel um portuguez orthographicamente unificado; já foe realidade mas hoje não é mais.